A possibilidade de restringir os bens dos herdeiros necessários.

Um cliente, ao qual quero me referir como Kássio, apresentou o seguinte caso: divorciado e com uma filha de 09 anos de idade, temia morrer e deixar que a herança da menor fosse administrada pela ex-mulher, segundo ele, esbanjadora e com pouca sensatez para os negócios. Será que haveria uma solução legal para proteger sua filha?

No que se refere a sucessão, a legislação brasileira é rígida quanto a divisão dos bens deixados por aqueles que morreram sem deixar testamento. Se você tiver interesse leia os artigos 1829 a 1850 do Código Civil. Neles estipula-se a partilha dos bens de acordo com o regime de casamento adotado.

Por outro lado, a lei dá permissão para o interessado definir a divisão de seus bens através de um testamento, assim, na partilha também será considerada a sua vontade.

No Brasil ainda é tímido o número de testamentos feitos, há certa resistência e o tabu de que é uma prática somente para ricos, todavia, os números vem subindo. Dentre as vantagens do documento estão:

  • Evitar disputas judiciais, deteriorando o relacionamento interfamiliar;
  • Pode beneficiar amigo, cuidador ou instituição, que na partilha sem testamento, não receberiam nada;
  • Proteger o cônjuge sobrevivente com maior porção dos bens;
  • Preservar a empresa, caso o falecido seja empresário, determinando sua gerência;
  • Para casais homossexuais, evitar conflitos do cônjuge sobrevivente com a família do falecido;

Para quem quer fazer um testamento, as alternativas existentes são, o público, o cerrado ou o particular. No vídeo abaixo, são apresentadas as características principais de cada uma das modalidade. Veja!

 

No caso de Kássio, certo é que somente poderá proteger a sua filha através de um testamento, caso contrário a genitora da criança fará toda a administração, podendo gerar prejuízos a menor. Mas até onde Kássio poderá impor os limites? Por todo o tempo de vida da filha? Na integralidade do patrimônio? Poderá nomear um tutor ou administrador?

Antes de mais nada, importante saber que a lei brasileira dá ao interessado a liberdade de dispor, mas para fazê-lo impõe algumas regras.

Dentre as regras mais elementares está a preservação da metade do patrimônio para os herdeiros necessários, representados pelo cônjuge, filhos, netos, pais. Sendo metade desses, resta a outra metade para dispor como quiser.

Isso quer dizer que, a princípio, os bens cabíveis aos herdeiros necessários são “intocáveis”, protegidos de qualquer restrição ou condição. Entretanto, a lei abre uma brecha. Veja o que diz o artigo 1848 do Código Civil:

Art. 1848. Salvo se houver justa causa, declarada em testamento, não pode o testador estabelecer cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.

No artigo citado se vê a possibilidade de gravar, condicionar, restringir os bens dos herdeiros necessários, que estariam “livres”, desde que, haja um motivo justo.

Dentre as restrições a serem impostas, a lei menciona a inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Veja como se dá o seu uso:

  • Inalienabilidade: impede a alienação do bem, ou seja, não pode vender, trocar, dar em pagamento ou doar. É para o beneficiário usar. Pode ser estipulada por tempo determinado ou durante toda a vida.
  • Impenhorabilidade: resulta na impossibilidade de credores de qualquer natureza penhorarem o bem para satisfação do crédito.
  • Incomunicabilidade: Seu objetivo é permitir que um dos cônjuges tenha exclusividade sobre o bem, por esta razão, é utilizada para casais que estão sob o regime da comunhão universal de bens.

Quando se quer beneficiar terceiros com o testamento, a imposição de cláusulas restritivas é plenamente possível e segura. Entretanto, a questão aqui levantada refere-se a restrição dos bens cabíveis aos herdeiros necessários (cônjuge, filhos, etc), a quem a lei confere o direito à legítima.

Para que o testador restrinja os bens da legítima, deverá descrever no testamento a justa causa, dizendo de forma clara o porquê de estar impondo inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade.

Acontece que nesses casos, a vontade do testador não é absoluta, podendo ser desconsiderada quando for provado em juízo que a justa causa não é tão justa quanto parece, pois, na prática está prejudicando o herdeiro de usufruir do bem.

Em outros casos, os herdeiros podem até requerer o cancelamento da cláusula restritiva alegando prejuízos, mas se não conseguirem provar o efetivo prejuízo, a vontade do testador será mantida. Veja decisão nesse sentido:

J-RS – Apelação Cível AC 70069779361 RS (TJ-RS)
Data de publicação: 29/08/2016
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO DE IMÓVEIS. AÇÃO DE CANCELAMENTO DE CLÁUSULAS RESTRITIVAS NA MATRÍCULA DE IMÓVEL. CANCELAMENTO DE CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE. INVIABILIDADE NO CASO CONCRETO. É entendimento corrente na doutrina e jurisprudência que a indisponibilidade gravada sobre bens imóveis não é absoluta, havendo possibilidade da relativização quando se tornarem óbice à própria fruição da coisa pelo proprietário. Atende-se, com essa exegese, a função social da propriedade. Entretanto, no caso inexistem elementos que configurem justa causa ao cancelamento do gravame. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70069779361, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 25/08/2016).

Mediante isso, a filha de Kássio poderá ter os bens restringidos, todavia, o testamento deve mostrar com clareza a sua preocupação com a administração dos bens, motivo das cláusulas restritivas. Poderia clausular os bens imóveis impedindo a sua alienabilidade até que a menor alcançasse os 18 anos, enquanto isso, ela receberia os aluguéis para suas despesas. Outra opção seria a nomeação de pessoa de confiança para cuidar do patrimônio da filha.

As peculiaridades de cada caso devem ser estudadas para se chegar a formulação de um testamento que realmente terá efetividade.

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